O Discurso Médico e a Gordofobia
- Danieli Mennitti
- 15 de jan. de 2015
- 3 min de leitura
Penso, juntamente com Foucault e sua idéia de biopolítica, que o discurso e a prática médica são práticas disciplinares que visam a normatização e adestramento dos corpos. O poder, em seu esquema de produção de saberes e fazeres, se volta para o corpo e busca docilizá-lo e adequá-lo aos interesses de um discurso hegemônico, patriarcal, machista e focado em interesses restritos.
É curioso perceber como diversos discursos dialogam entre si, influenciando-se mutuamente e construindo um ideal de corpo; ideal esse restrito, fechado, limitado, castrador. É o ideal de um corpo magro e/ou atlético/”sarado”, e este, por sua vez, posto como modelo de beleza, um padrão de estética mais satisfatório, como um corpo adequado às instituições e estruturas sociais desse tempo histórico, como um protótipo de saúde. Nesse afã de se firmar no seio da sociedade, procura legitimar seu regime de verdade, através de diversos dispositivos e discursos, dentre eles o já citado discurso médico, que coloca o corpo magro como sendo saudável, menos sujeito às intempéries das doenças, com uma estrutura corpórea apta e capaz de realizar diversas atividades que envolvam o físico e dotado de habilidades das mais diversas.
Como contraponto dessa argumentação, estaria o corpo gordo: tal corpo, na configuração de sua materialidade, é dotado de uma mecânica orgânica e de um processo biológico falhos, mais passíveis às doenças e carente de potencialidades/habilidades físicas e, desse modo, destituído de valor e utilidade; seria, nessa lógica, um corpo doente e, portanto, necessitado de intervenções higienistas. O corpo gordo é associado ao excesso, de diversos tipos (excesso de ingestão calórica, entre outros)e esse “excedimento” de limites traria prejuízos e perturbaria uma suposta tentativa de equilíbrio. Seu metabolismo seria desequilibrado e com os supostos “excessos” seria necessário um trabalho maior do organismo para fazer as compensações, entrando assim em um círculo vicioso de “exagero” e contenção, causando sobrecarga à essa “máquina”. O que faz lembrar uma linha de raciocínio/funcionamento corporativista e fabril.
Aliás, é a já reconhecida lógica binária de pensamento, que funciona nos esquema de normatização/exclusão. O outro, o marginal, o diferente, o “desnecessário”, aqueles que não podem existem em determinado contexto e cultura, por escaparem à norma. São os abjetos. Nesse sistema/estrutura onde a norma é o corpo magro/atlético, o corpo gordo se configura como abjeto. Ao não reconhecer e deslegitimar esse corpo gordo, eis que o mesmo se torna um corpo abjeto, aquele que não deveria existir, nem ser pensados, compreendidos ou nomeados. Na matriz do pensamento gordofóbico, o corpo gordo não pode existir, para dar lugar e legitimar a normatividade não-gorda.
Oras, o que está em jogo nessa biopolítica? É a gestão da vida. Trata-se de manter, prolongar e determinar as condições dessa vida, seu nascimento e morte. O intuito desse biopoder é modificar o corpo, alterá-lo,transformá-lo, “melhorá-lo”, a fim de ter um controle maior sobre ele e conformando-o aos interesses do capital, aos interesses econômicos, políticos, sociais e culturais. O discurso médico de modo algum é isento de ideologia. Cada corpo possui um biótipo, uma disposição genética, tem um determinado metabolismo e estrutura, pertence a uma determinada etnia,e portanto, respondem de formas diferentes aos estímulos, dependendo não só desses fatores internos, mas fatores externos também. Ou seja: os padrões que se aplicam a um corpo não se aplicam a outros. O discurso médico de forma alguma é neutro e também participa com sua cota para a construção do discurso gordo. Uma cota de proporções enormes, dada a importância e autoridade do discurso científico nessa época histórica. A idéia de que o mesmo se preocupa com o bem-estar geral é falha, dado os jogos de interesses e relações de poder camuflados (às vezes não tão camuflados assim) nesse discurso. A saúde pode ser apoiada e procurada sim, por qualquer tipo físico, se assim o desejar. Independente das condições de saúde (física e/ou mental) desse corpo, isto não pode e nem deve ser usado como segregação e condenação dos mesmos. Mais uma vez o pensamento higienista, classificador, patologizador se faz presente nesses discursos e práticas excludentes.

créditos foto: página www.feministacansada.com e CREF6 MG
Comentários